Entre horror e medo, confiança e esperança, dias, semanas e meses se passam. Nossa vida virou de cabeça para baixo. As desigualdades aumentam, a vida social é interrompida e o equilíbrio global é abalado! Como qualquer grande infortúnio, a pandemia desperta emoções violentas como medo, tristeza e angústia. A raiva agarra as entranhas, torna-se opressiva. Aqui, suprime-se o ressentimento; lá, nos encolhemos, pisamos dentro. A suspeita e o desafio estão por toda parte: uma revolta silenciosa, nascida de um sentimento de injustiça insuflado por ventos de protesto, está borbulhando dentro de um jovem tomado pelo desespero. O futuro permanece sombrio, apesar das campanhas de vacinação e das medidas restritivas implementadas em todo o mundo. Caímos na incerteza; a depressão paira, a saúde mental é atingida, fazendo-nos oscilar entre a quarentena, o confinamento, o teletrabalho, o desemprego e todo o tipo de ameaças às nossas liberdades e à segurança da nossa existência. Como sair desse fluxo que provoca ansiedade e não ceder às dores do desânimo? Haveria motivos para aspirar a dias melhores, ao bem-estar futuro, a uma sociedade mais saudável e feliz?
“Impossível! Incrível! Palavras vãs! já estão gritando os céticos e os mais vulneráveis, vítimas muito enfraquecidas pelos danos colaterais do Covid-19. Como alcançar o auto-sacrifício em tal situação? Existe uma saída, uma janela, uma perspectiva? As liberdades foram confiscadas após um confinamento inicial; o laço aperta durante o segundo. O que um terceiro confinamento pressagia? Teremos que conviver por muito tempo com gestos de barreira e distanciamento social? Em nome de que ética?
Hoje, no alvorecer do século 21, em uma sociedade dominada pelo questionamento e pela dúvida, os julgamentos normativos de outrora baseados em uma única lei moral são agora obsoletos. As evidências morais tornam-se turvas. Somos informados sobre a noção de “moral saturada”. Nascem novas éticas obedecendo às leis do “ajuste” e da relatividade com vistas a harmonizar a pluralidade de critérios morais que devem ser aplicados em tal e tal situação. Devemos então redefinir o significado do dever e rever os princípios do bem e do mal? E aprender a avaliar o custo humano, comparando-o com um custo econômico ou um custo ético? Com a atual pandemia, levantamos esse tipo de questão todos os dias. Em todo o mundo, os líderes estão ajustando seus protocolos de acordo com a situação de saúde em seus respectivos países, tentando encontrar um compromisso para o bem-estar dos cidadãos. Apelamos à inteligência coletiva, mesmo ao altruísmo; gostaríamos de fazer rimar solidariedade e responsabilidade, desenvolver resiliência e paciência...
É o retorno de virtudes esquecidas, de valores arcaicos? Devemos nos reconectar com a sabedoria antiga, readaptá-la às nossas necessidades e redescobrir uma ética de “conexão”? Aprenderíamos então a nos descentralizar para nos abrirmos mais para os outros e para os outros. Trocaríamos então o egoísmo e a indiferença de um mundo que se tornou muito frenético, competitivo e materialista por consideração, compaixão e compartilhamento em favor de um mundo mais benevolente, pacífico e saudável. Vamos testemunhar um renascimento planetário, um retorno à humanidade e a construção de novas solidariedades? Podemos imaginar novos modos de engajamento dentro de uma sociedade em mudança e diante de mil perguntas hoje?
Talvez seja hora de superar o choque para preservar o próprio equilíbrio e viver em harmonia com os outros neste contexto dramático.
E se... aprendêssemos a domar nossa vulnerabilidade, a tomar consciência de nossos limites, a questionar o valor da vida como outros antes de nós fizeram desde a Antiguidade para orientar seus pares em situações caóticas. Mesmo que estejamos presenciando uma explosão de valores nos dias de hoje, certos princípios parecem ter atravessado eras e civilizações, como “verdades eternas”. Ao expor seus pensamentos sobre como enfrentar o imprevisível, Sêneca e Marc-Aurèle defendiam o desapego, a coragem e a contemplação para o apaziguamento da alma. Era preciso também recusar a indiferença, defender os mais frágeis preservando a infalível solidariedade humana. Cícero destacou o interesse de compartilhar; Segundo ele, “o interesse de todos é o interesse comum”. John Donne havia retomado essa ideia de interdependência com sua famosa teoria proclamando que "nenhum homem é uma ilha". Théodore Monod, o humanista comprometido que viajou pelas terras da África, nos lembrou dessa verdade universal que ele compartilhou com Amadou Hampaté Bâ e Tierno Bakar, dois grandes pensadores africanos. Para eles, “o homem e o mundo são interdependentes e o homem é o garantidor do equilíbrio da criação”. O homem e a natureza se complementam. Hubert Reeves, o famoso astrofísico, nos lembra dessa interdependência entre a humanidade e a natureza em seu último livro intitulado La fureur de vivre.
Neste momento, outras pessoas estão compartilhando seus pensamentos sobre uma nova maneira de se envolver com a sociedade para nos inspirar com ações concretas que nos elevam em vez de nos afundar. Bruno Latour, sociólogo e antropólogo, realiza pesquisas de campo sobre nossos “modos de existência” para fazer um balanço de nossas prioridades atuais e mudanças futuras. Pierre Rabhi, defensor da "sobriedade feliz", e Satish Kumar, com sua "filosofia relacional", nos desafiam a agir em plena consciência para estarmos em harmonia com nós mesmos e com o meio ambiente. Colette Poggi nos lembra em um livro publicado recentemente, La Bhagavad Gîtâ ou l’art d’agir, como Vandana Shiva se engaja no mundo em favor da paz e da biodiversidade. A filósofa nos conta que assim como Gandhi, Mandela e Martin Luther King, essa ativista feminista se inspirou no Bhagavad Gîtâ para “agir”. Com efeito, redescobrimos com ela a atualidade deste texto fundador do hinduísmo. Colette Poggi lança luz sobre a mensagem do Bhagavad Gîtâ que poderia fornecer respostas para a seguinte pergunta: “como agir quando se está imerso no caos? ". Colette Poggi, estudiosa do pensamento indiano e sânscrito, nos mostra como Krishna encoraja Arjuna a se levantar e agir. Durante um longo diálogo, Krishna tranquiliza Arjuna e explica a ele como a interação entre as coisas determina o papel de cada um. Depois de questionar e descer às profundezas do caos, somos capazes de recuperar o equilíbrio perdido. É importante reconciliar-se consigo mesmo e com o ambiente. A prática do chamado yoga "completo" seria então muito útil, combinando ascetismo moral com disciplina física e ação correta.
Contenção? Recontenção? preventiva? Partilha? Total? Toque de recolher ? Onde estamos indo ? Talvez seja a hora de aceitar essa ruptura com o mundo anterior e pensar em agir sobre o nosso meio ambiente para que ele volte a ser benevolente...
E se… todos, em seu nível humilde, se conscientizassem de sua responsabilidade meditando sobre seu papel na reconstrução de um mundo devastado. Esta é uma responsabilidade coletiva, um negócio de todos, politicamente, mas também socioculturalmente e moralmente. Todos podiam começar um exame de consciência e medir sua capacidade de resistência na adversidade; então, ele recorreria à sua força interior para encontrar novos rumos, associando-se com seus pares a fim de restaurar o equilíbrio perturbado. Todos poderiam então alinhar melhor seus próprios interesses e o interesse geral.
Mudaríamos os critérios usuais de avaliação: hoje, os parâmetros de nossas sociedades contemporâneas parecem enaltecer muito o desempenho econômico por meio de “cálculos”, “retornos de investimentos” e “benefícios”.< /p>
E se… dermos outro significado às coisas…